Vida Seca Severina I

“É inacreditável e inceitável que o governo se deixe surpreender mais uma vez pela seca no Nordeste. O fenômeno já está suficientemente estudado e é perfeitamente previsível, mas a cada seca ele se deixa surpeender. Imagino que a causa seja uma só: os ricos ganham dinheiro explorando a indústria da seca, que interessa a eles. Só os pobres sofrem. Filho de rico nunca morre na seca e nunca ouvi dizer de um rico imigrando por falta de chuva.”

A frase-desabafo é de um nordestino, que imigrou, e que hoje é Presidente da República. E, na Presidência, deixou-se surpreender por mais uma seca no Nordeste, que está castiogando 12 milhões de pessoas. Pior: se as ´[aguas do São Francisco, que ele aponta como solução, fossem suficientes para acabar com a miséria, não seria interessante primeiro fazer programas para o uso da água acabar com a miséria ribeirinha? Só que isso, certamente, não daria a ganhar tanto as grandes empreiteiras e aos grandes empresários, que vão ganhar milhões com a Transamazônica de água. Uma água que não vai matar a sede do nordestino nem resolver os problemas do Nordeste, mas servirá para tornar mais ricos os já muito ricos.

É como diz o poeta Leandro:

É grande a calamidade / é triste a situação / cada dia que se passa / aumentando a aflição/ sofre todo sertanejo / quando há seca no sertão.

A literatura de cordel, no Brasil, é um fenômeno tipicamente nordestino. A origem evidente está

nas folhas volantes  lusitanas, também chamadas de folhas soltas. Antes da imprensa o povo registrava sua poesia cantando, de memória. E quem sabia escrever enchia os cadernos manuscritos copiados a mão. Depois, com a prensa tipográfica, o registro era feito nas folhas  vendidas nas feiras, nas romarias, nas ruas e praças, no mercado, registrando fatos históricos, romances tradicionais, lendas, fantasias, notícias, versos de maldizer e de bem querer.

Geralmente eram vendidas barato, por cegos, um privilégio concedido por Provisão Régia. E ficavam expostos penduradas em cordéis, daí o nome.

A tradição veio para o Nordeste co os cantadores portugueses e aqui fixou-se. De início cantando os mesmos temas tradicionais portugueses, com a mesma métrica e as mesmas rimas. Mas aqui o romanceiro peninsular encontrou ambiente ideal, criativo, cresceu forte, encorpou, ganhou seu temas e assuntos, novas rimas, tornou-se atraente para o povo, ganhou a fisionomia da  própria gente da terra.

Em terra muito musical, de pouca leitura e muito analfabeto, os cantadores eram quase que a única fonte de notícia, de informação, de conmhecimento e de maravilha. Alguns dos maiores autores nunca escreveram um verso, por serem analfabetos.

Logo a cantoria passou a ser o maior canal de comunicação para qualquer acontecido, e para maravilha, o sonhado, o impossível desejado, para a beleza, e para a astúcia, para a crítica e a poesia, para a seca, a miséria e a vida severina.

Sobre a vida severina é bom lembrar os versos do Poeta Salomão, por nome Hégira Salomão, um islamita pernambucano de Olinda.

“Quando é severa a seca / Nossa vida é severina Se for pobre ‘tá lascado / Velho, homem ou menino / Sofrendo por todo lado / Seja um forte ou um mofino./

Malaquias José de Mello, cearense do Crato, já versejava em 1933 dizendo que o problema do Nordeste não era a seca, era a cerca:

“Filho de rico não sofre/ Seca não é seu destino Para o pobre falta tudo / Quem é rico vive o fino Quem sofre só é o pobre / Sua vida é um desatino./

Francisco Fernandes da Motta, do Catolé do Rocha, na Paraíba, escreveu A Seca no Nordeste

Quem não conhece o Nordeste / Não sabe e nem imagina / A angústia de seu povo / Quando a seca predomina / A miséria que acarreta na região nordestina. /

Quem não tem conhecimento / De uma seca no sertão/ Não vê o sol causticante / Fazdndo incêndios no chão / Milhões de bocas famintas / Clamando por água e pão./

Se o plantio estáperdido / As chuvas são inconstantes / O sertão se torna um palco / Dre cenas horripilantes / As feiras são invadidas / Por levas de retirantes. /

O governo, segundo os poetas, finge que socorre, cria frentes de trabalho, dá trabalho a quem em compadre, e explora ainda mais o pobre na emergência, oferecendo mão de obra subsidiada, gratuitamente, para o trabalho dos donos da terra, como conta Leandro Simões da Costa, de Caicó, Rio Grande do Norte:

Eu nunca fui jornalista / Nem sou poeta repóter / Escrevo aqui o passado / Pois \aqui é meu esporte / Falando do sofrinmento / Do Rio Grande do Norte.

Vou contar esse problema / De tudo o que aconteceu / A emergência chegou / Quase nada resolveu/ Só é pra proprietário / Pro pobre nada valeu./

Antes de tudo um forte, ignorante, pobre, analfabeto, mal alimentado, o lavrador é literalmente um coitado, conformado, temente a Deus, crente, fatalista, crescido e educado no sofrimento, na necessidade, na tristeza da seca. A sonhar com a água de São José, com o verde, com a fartura, acreditando em lilagre e em São Saruê, uma terra mítica que ica no meio do sertão e onde falta nada, tudo e belo e farto.

São Saruê é criação da cabeça de Manoel Camilo dos Santos, de Guarabira, na Paraíba, mas que viveu em Fortaleza. Ceará, e em Natal, Rio Grande do Norte, em Campina Grande, na Paraíba. Poeta popular e editor, escrveu muito e foi o primeiro a registrar seus versos e a defender o direito autoral dos poetas de cordel. E dele o sempre citado, o clássico Viagem a São Saruê, que é de 1942.

“Doutor mestre pensamento / Me disse um dia você/ Camilo, vá visitar / O país São Saruê / Pois é o lugar melhor / Que nesse mundo se vê./

Eu que desde pequenininho / Sempre ouvi falar Nesse tal São Saruê / Destinei-me a viajar / Com ordem do pensamento / Fui conhecer o lugar. /

Iniciei a viagem / às duas da madrugada / Tomei o carro da Brisa / Passei pela Alvorada / Junto ao quebrar da barra / Eu vi a Aurora abismada. /

Pela aragem matutina / Eu avistei bem defronte / A irmã da linda Aurora / Que se banhava na fonte / Já o sol vinha aspergindo / Ao além do horizonte./

Surgiu o dia risonho / Na Primvera imponente / As horas passavam lentas / O espaço incandescente / Tornava a Brisa mansa / Em um Mormaço dolente. /

Depois de uma viagem fantástica no carro da Brisa, e depois no crro do Mormço e no carro da Neve Fria, o poeta chega ao mar  (no sertão!) e mais adiante vê a Cidade, “como nunca vi igual”:

Uma barra de ouro puro / Servino de placa eu vi / Com as letras de brilhantes / Chegando mais perto eu li / Dizendo São Saruê / É esse lugar aqui./

Quando eu avistei o povo / Fiquei de tudo abismado / Uma gente alegre e forte / um povo civilizado / Bem tratável e benfazejo / Por todos fui abraçado. /

O povo em São Saruê / Todo tem felicidade / Passa bem, anda decente, / Não há contrariedade, / Não precisa trabalhar /  E tem dinheiro à vontade. /

A cidade é um deslumbramento, com rios de leite, barreiras de carne assada, lagoa de mel de abelhas, atoleiros de coalhada. As pedras do calçamnto são de queijo e rapadura. Feijão lá nasce no mato, já maduro e cozinhado, e arroz nasce nas vázeas já prontinho e despopado. Lá não se vê mulher feia e as mitas de prata e ouro são mesmo que algodão. O poeta não diz por que não ficou no paraíso, e termina avisando que pode ensinar o caminho:

Porém só ensino a quem / Me comprar um folhetinho. /

Do sonho da vida boa de São Sruê para a reqlidade da seca vida severina, vi distância.

Mais uma ves a caatinga está seca, esturticada, e é rqro o verde enganoso das folhagens mais resistentes: algaroba, joazeiro, umbuzeiro, palma, entre os espinhos do xiquexique e do mandacaru. A média pluviométrica está 78% abaixo do normal e no agreste as chuvas registradas são 95% inferiores à média histórica.

È  pior seca do nvo século que começa e já atinge 1300 dos quse 1800 municíoios nordestinos. Muita gente só tem a amaga palma para comer, cactácea que o gado só aceita quando não há mais o menor sinal de pasto, “comida que entope mas não alimenta”. Falta água, falta comida, falta dinheiro, falta amparo e providência, até carro pipa para de servir porque acabou a verba. Como dizia o Lula, é inacreditável e inaceitável.

Como s’e a seca no semi-árido fosse novidade, mais uma vez ela surpeende os overnantes federais, estaduais e municipais.

Em 1967, durante o IV Congresso ltaiio-Americano de Astronomia, na cidadd do Natal, que Rõmulo Argentière, delegado de São Paulo, apresentou um trabalho: O Ciclo Solar e as Secas do Nordeste foi apaludido e aprovado. Pouco divulgado, sem espaço na mídia, logo ficou esquecido. Até que os pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (o INPE) o retomaram. E confirmaram: há dois ciclos diferentes que comandam as secas. Quando os dois coincidem, há um grande período de estiagem, a Grande Seca. O modelo é matemático, não falha.

Naqyuele Congresso foi sugerida e aprovada a riação de um Instituto das Secas, para estudar também a atividade solar e sua influência na microfísica das nuvens. Seria um organismo capaz de coordenar e organizar os estudos e as pesquisas, inclusive do passado, e fazer um diagnóstico, apontando as soluç~ioes. Nunac saiu do papel.

Mas entre as conclusões e certezas do Cogresso, ficou claro que:

  • Água não falta. O semi-árido Nordestino é uma das regiões áridas do mundo com maior precipitação de chuva (500 a 600 milímetros por ano, segundo técnicos israelenses).
  • O garnde problema é aprender a administrar a água.
  • E aprender a comviver com a seca e o clima da região, evitando atividades que sejam incompativeis com a realidade.
  • Evitar a enorme quantidade de água represada e exposta à insolação (de 2.800 a 3 mil horas de sol por ano), porque isso esquenta a atmosfera e impede a fixação das nuvens e sua precipitação. (O CEará tem mais água representa que o Paraná, com Itaipu e tudo. Orós é um mar interior e o Castanhão tem mais água que a baía da Guanabara.)
  • A dessalinização das águas de poço é possível e, à época, o Banco Mundial ofereceu recursos a jyros zero para a compra de equipamenrtos, o que foi recusado.
  • A cosntrução de pequenos reservatórios para recolher as águas da chuva seria suficiente para garantir toda a água suficiente para o consumo familiar por um ano.
  • E o Institutio de Estudos de Gestão das Águas afirmava, pelos seus técnios, que é mais fácil lidar com a seca do que com as cheias.
  • A Associação Brasileira de Águas Subterrâneas já havia concluído, há tempos, que é posívl retirar 19,5 bilhões de metros cúbicos de água dos lençóis subtyerrâneos nordestinos, sem esgotá-los. (Na Holanda, na Alemanha e na Bélgica, 90% da água distribuída nas cidades é captada no subsolo.)  

Anos depois, segundo as Universidades Federais do Nordeste, o maior obstáculo para resolver o probela da seca é a falta de interesse político. 

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