O Discurso Neoliberal e a Economia

  Quase todas as economias do mundo seguiram a cartilha neoliberal: redução do Estado, abertura dos mercados, redução do custo-país, flexibilização dos direitos trabalhistas. O fim do estado protetor e o aumento dos gastos de governo, a substituição das políticas de demanda por políticas de oferta, assim como a falta de políticas públicas sociais só renderam benefícios no centro do capitalismo. A falta de caráter social dos agentes econômicos levou à globalização e à crise à periferia capitalista.

O discurso neoliberal atingiu a todas as economias do mundo, afirmando que a redução das dimensões do Estado era a solução econômica para os problemas do setor público estrangulado por dívidas.  A pregação desestatizante sugeria ainda a flexibilização dos direitos do trabalhador, com a eliminação de certas garantias sociais  que, segundo eles, só dificultavam a empregabilidade e aumentavam o custo-país.  Acabar com o Estado produtor e protetor foi a principal bandeira dos liberais durante anos e anos.

Curiosamente, nesses anos todos, em plena globalização, quanto mais os liberais discursavam, mais aumentava a participação dos gastos do governo no Produto Interno Bruto.

As despesas públicas têm quatro grandes categorias:

  • § gastos do governo com salários e insumos;
  • § transferências e subsídios;
  • § pagamentos da dívida externa e interna ou dos juros;
  • § investimentos públicos.

Procurem adivinhar qual é a única parcela que está caindo significativamente, desde os anos 60?  Acertou quem pensou investimentos públicos.  E a que mais cresce?  A do pagamento de juros para rolar as dívidas.  O famoso controle do déficit público tem sido amplamente descuidado por um Estado que gasta mal e se endivida pior ainda para pagar seus gastos.

Przeworsky e Wallerstein  (no livro O Capitalismo Democrático na Encruzilhada) já escreviam em 1988 que uma “ofensiva da direita”, depois do primeiro choque do petróleo, na década de 70,  havia provocado uma crise nas finanças do Estado e ameaçava a própria democracia capitalista.

O keynesianismo acreditava que o Estado podia harmonizar a propriedade privada dos meios de produção com a gestão democrática da economia.  O Estado fazia o papel de provedor de serviços sociais, de regulador do mercado e era o mediador dos conflitos sociais.

Mas os liberais de direita atacaram.  E, entre outras coisas, se desenhou um quadro de inflação com baixas taxas de crescimento econômico.  Foi quando surgiram as tentativas de substituir políticas de demanda por políticas de oferta.  E a redistribuição da renda a favor dos lucros apareceu como um custo que a sociedade deveria suportar para obter taxas de investimento mais altas.

Na verdade, a manutenção do pleno emprego acabou sendo uma das principais barreiras ao investimento que melhoraria a produtividade, aumentaria a produção, elevaria os salários ou reduziria a jornada de trabalho, segundo prometiam os políticos liberais.

Pela primeira vez a direita tinha um projeto próprio: em nome da democracia: soltar todas as amarras impostas pela democracia.

Ao mercado caberia ser a instância reguladora das relações econômicas e sociais no capitalismo contemporâneo.  E a ele caberia determinar, inclusive, o tipo e a quantidade de investimentos da economia, uma decisão privada que teve profundos impactos públicos.

A anunciada incapacidade de gestão do Estado e o vácuo teórico  provocado por economistas desinformados ou mal informados, deflagraram a crise.  E abriram mais espaço para os que defendiam a tese do Estado mínimo, conservadores e liberais.

Peter Drucker, citando Adam Smith (o pai do liberalismo clássico), dizia que o governo, “por sua própria natureza” não podia conduzir a economia.  E brincava: “Ele não argumentava que elefantes não voavam tão bem quanto as andorinhas.  Ele argumentava que governos, sendo elefantes, não podiam voar.”

Em 73, o choque do petróleo e o câmbio flutuante marcaram o que Drucker chamou de “o início da inevitável conscientização acerca dos limites do Estado”.  A crise econômica generalizada, o desequilíbrio nos balanços de pagamento, a inflação, as taxas medíocres de crescimento, tudo parecia indicar que os governos tinham, de fato, limites muito mais estreitos do que se imaginava para conduzir a política econômica.  Mais do que isto: para ele, qualquer ação que se traduzisse em gastos do governo seriam ainda mais nocivas à economia, exacerbando a tendência à inflação.

Drucker atribuía às empresas transnacionais, no início dos anos 80, a qualidade de “agentes econômicos globais” e apresentava-os como “novos agentes sociais”.  Na era globalizada a consciência social do mercado seria suficiente para providenciar os benefícios sociais que o Estado não podia garantir.

O novo discurso liberal afirmava que ao governo competia apenas o monopólio da defesa nacional, a garantia da manutenção da lei e da ordem, da justiça e da segurança, e estabelecer as regras básicas que permitissem aos agentes sociais “movimentarem-se livremente”.  O mercado regularia tudo, inclusive as necessidades sociais.

A hipótese era fantasiosa e falaciosa, mas durou anos, e os liberais argumentavam que os agentes econômicos tinham “todo o interesse em manter e ampliar o mercado consumidor”.

Anos depois, em 1997, o mesmo Drucker reconheceu que aos agentes econômicos “faltava caráter social” e que cabia ao governo o papel de determinar as políticas sociais. O elefante precisava voar…

Em 1998, numa entrevista ao Clarin, o historiador Eric Hobsbawm dizia que “o capitalismo global e o marcado livre, sem controles, chegaram a um ponto crítico”.  E acrescentava: “Estamos no fim de uma era, mas ainda não enxergamos o novo rumo.”

Em 2002 o professor de economia Jeffrey Sachs escreveu: “A globalização está sob mais pressão que  nunca.  Suas tensões se manifestam por toda a parte.  A maior parte da África subsaariana, da América do Sul, do Oriente Médio e da Ásia Central está atolada em estagnação ou declínio econômico.  América do Norte, Europa Ocidental e Japão apresentam crescimento lento e correm o risco de sofrerem nova recessão.”

 Os defensores dos mercados abertos e do livre comércio estão com dificuldade para explicar a marcha da economia mundial e de informar por que a globalização corre risco. E Sachs sugere mais perguntas: Por que seus benefícios parecem concentrar-se em tão poucos lugares?  É possível alcançar uma globalização mais equilibrada?

Diz ele que “os mercados abertos são necessários para o crescimento econômico, mas não bastam para garantir o crescimento”.

Os americanos em geral, o senhor George W. Bush à frente, mas na companhia de alguns economistas e professores, tendem a imaginar que a maioria dos problemas dos países pobres é responsabilidade deles mesmos.  Mas a vida é mais complicada do que imaginam os republicanos americanos: Gana, Tanzânia, Maláui, Gâmbia, são países bem governados e o nível de vida vem caindo há anos.  E Paquistão, Bangladesh, Mianmar e Sri Lanka, com governança de pior qualidade, tiveram crescimento.

A regra parece ser que países com população grande (maior mercado interno) tendem a crescer mais depressa, assim como os países costeiros (com saída para o mar) e os emergentes (que são vizinhos de países centrais e favorecidos em relação aos que estão na periferia do capitalismo e longe do poder).

Se os ricos continuarem culpando os pobres e não derem importância aos problemas estruturais, às doenças, à instabilidade climática, aos solos pobres, à distância dos mercados e à baixa tecnologia, a distância entre perdedores e ganhadores continuará a crescer, a violência vai aumentar e a reação também, inclusive o terrorismo, prevê o professor Sachs. Boa governança e combate à corrupção ajudam, mas não decidem.

“A ideologia de estilo tamanho único, bom para todos, do Consenso de Washington, já acabou”, diz ele e “é urgente dar início ao trabalho duro de fazer a globalização funcionar para todos.  Isso pode ser feito.”

Só que, para fazê-lo, é necessário implantar um novo Estado, resultado de uma profunda revisão do seu papel.  Um novo ciclo de desenvolvimento auto-sustentado e politicamente suportado exige novas relações entre o Estado, a sociedade civil e o setor privado, e a disposição de todos para fazer um pacto social, elegendo prioridades que poderão, por vezes, até entrar em conflito com o primado absoluto do mercado.

Se quisermos desenvolver uma cultura da paz e reduzir a violência e o terror, é preciso ter um Estado eficiente e que assuma seu papel indutor-normativo-regulador, um Estado responsável.

Quase na virada do milênio o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial fizeram autocrítica, por terem passado tanto tempo sem dar atenção e importância ao social e com as evidentes manifestações dos problemas que a economia de mercado e a globalização estavam criando em muitos países.

No relatório de fim de ano de 1997 o Banco Mundial apontou algumas razões principais para a preocupação generalizada com a redefinição e os limites do Estado:

  • § a implosão das economias socialistas;
  • § a crise fiscal do Estado de bem-estar social (welfare state) em países significativos das economias desenvolvidas;
  • § o colapso dos Estados.

Essas razões foram simultâneas à explosão das chamadas emergências humanitárias nos países periféricos (mas não exclusivamente), entre elas a exclusão social.

Na opinião dos teóricos do Banco Mundial, o Estado não podia ser mais o provedor, mas deveria ser o facilitador e o regulador: “O desenvolvimento econômico e social sustentável é impossível sem um Estado atuante. Tem se tornado crescentemente consensual a idéia de que um Estado atuante (e não um Estado mínimo) é central ao desenvolvimento econômico e social, ainda que mais como parceiro e facilitador do que como diretor.”

A posição do Banco implicou na revisão dos conceitos mais liberais que caracterizavam suas recomendações há muito tempo e até aquele ano.

A Organização Internacional do Trabalho apontou na mesma direção, passando a afirmar como “cada vez mais importante” o papel do Estado em um mundo globalizado.  No relatório de 97-98 está escrito que “a globalização requer grandes e não pequenos governos”.  E vai mais longe ao afirmar que “(…) reduzir as dimensões do Estado (o que tem sido uma tendência dos anos 90)  pode ameaçar a manutenção do livre comércio em escala global”.

Foi bom que o Estado saísse, progressivamente, da área de produção de bens e serviços.  Foi pena que aproveitasse tão mal o dinheiro das privatizações, aplicando em coisas não-produtivas, mesmo aliviando a caixa do Tesouro dilapidado pelos déficits recorrentes de suas empresas estatais ineficientes, mal administradas, gastadoras e endividadas. Foi péssimo que estabelecesse agências reguladoras sem capacidade de regular e conter as empresas privadas. Mas permanece urgente a necessidade de construir um novo Estado, indutor, normativo e regulador, eficaz.  Um Estado apto também a enfrentar sua enorme e indelegável missão de viabilizar serviços públicos essenciais à população de baixa renda (principalmente segurança, saúde, educação, saneamento básico, habitação e amparo contra a exclusão social).

Ao Estado, sem dúvida, é que compete formular as políticas sociais e, na medida do possível, executá-las.  Mas também tem que ser suficientemente capaz de adotar políticas fiscais e monetárias que evitem a dependência do país ao volátil dinheiro internacional para empréstimos de curto prazo destinados a cobrir o seu déficit, o que só faz aumentar a dívida.

Há muito tempo o capital das transnacionais tornou-se especulativo e a enorme massa de dinheiro, mesmo virtual, com a velocidade da informatização passou a ter muito poder.  Sua enorme mobilidade e volatilidade tornou-o capaz de gerar desastres econômicos com seus ataques especulativos (dos quais não escaparam nem os Estados Unidos).  Seus repetidos sucessos comprovam que o dinheiro virtual ganha sempre e que a economia global é o árbitro final das políticas monetárias e fiscais  Por isso mesmo o Estado precisa ser capaz de ter orçamentos públicos equilibrados, a primeira condição para a manutenção da ordem econômica nesse mundo globalizado.

As políticas de demanda (políticas nacionais voltadas para o aumento da renda e do emprego por meio de política fiscal e monetária) têm como conseqüência uma taxa de inflação superior à taxa dos países competidores.  Com isso, por um lado, há uma tendência a aumentar as importações (por conta dos aumentos de preços internos e da renda nacional), e por outro, a utilização de instrumentos de política monetária é muito dificultada pela internacionalização dos mercados financeiros, a abolição do controle de trocas e a expansão das operações de crédito por parte das instituições financeiras.

É o que Paul Hirst e Grahame Thompson (autores do livro Globalization in Question: International Economic Relations and Forms of Public Governance) chamaram de “estrangulamento da capacidade dos Estados nacionais de gerirem seus instrumentos de política econômica”.  Segundo eles, “mercados podem ser internacionais, mas a riqueza e a prosperidade econômica são fenômenos nacionais”.  Faltou acrescentar que a pobreza e a exclusão também são locais.

Em 1966 eles já acreditavam que fosse inevitável que os Estados nacionais assumissem o papel de garantir a construção do que chamavam de uma “coalizão distributiva”, que estaria baseada em cinco pontos (funcionando simultaneamente):

  • § na garantia do equilíbrio entre o consumo e o investimento;
  • § no comando de um acordo sobre níveis de taxação;
  • § no controle das relações entre capital e trabalho;
  • § na orquestração de um consenso social capaz de estabelecer uma cultura política de colaboração;
  • § no equacionamento da questão do equilíbrio fiscal entre diferentes níveis de governo.

Arthur Schlesinger Jr. (no livro Há Futuro Para a Democracia?), por outras razões, em dezembro de 1997, também se mostrava apreensivo quanto ao futuro do Estado-nação.  Em artigo para a revista Foreign Affairs ele escreveu que “o computador transforma o mercado em uma monstruosa máquina maléfica global que rompe todas as fronteiras” e que nega às nações “a possibilidade de moldarem seu próprio destino econômico”, o que cria “uma economia mundial sem uma sociedade mundial”.

E se pergunta: onde pode residir a democracia, sem uma autoridade capaz de exercer um controle internacional, uma vez que o Estado-nação, sua sede tradicional, está-se desmantelando.

Para Schlesinger, a democracia liberal “sobreviveu por pouco” ao século 20, marcado por guerras, destroçamento de velhas estruturas de segurança, revoluções inflamadas. Mas corre riscos ainda maiores no século 21.

Para J.L. Fiori (no trabalho Existe um Estado Brasileiro Pós-Fordista? Reforma e Funções do Estado Brasileiro no Novo Paradigma Industrial) já se construiu um novo paradigma industrial pós-fordista, mas ainda há um vácuo quanto ao modelo político-institucional que corresponda.  Para ele era, provavelmente, o pior risco que corria o primeiro governo de esquerda eleito no Brasil.

A base política da esquerda aumentou exatamente com o aumento da pobreza, do desemprego, da exclusão, porque ficou clara a dissonância entre o discurso liberalizante das elites e sua praxis política.  Cresceu a voz dos que protestam pela perda dos direitos sociais e de cidadão.

Para piorar a situação, a Previdência Social, tão imprevidente em aplicar bem os seus recursos em tempos de fartura e vítima quase permanente da corrupção, sofre com o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento da população, o que aumenta seus custos a ponto de ameaçar inviabilizá-los.

Projetada para realidades sociais muito diferentes das de hoje, serviria, idealmente, para a redistribuição de renda.  Naquela época havia emprego para todos; os empregos eram relativamente estáveis, como o casamento; a população era mito mais jovem; e o patriarcado era pouco desafiado. Para cada trabalhador que se aposentava havia 40 que pagavam a previdência, nos dez primeiros anos da sua criação.  Em 50 esse número já havia caído para 60%.  No início da década de 90 só havia três trabalhadores ativos e com carteira assinada para cada aposentado.  E a tendência é piorar, levando em conta o crescimento da expectativa de vida e mesmo considerando a ampliação da idade da aposentadoria.

 No Brasil, onde os servidores públicos têm aposentadoria integral, mas não pagam previdência, a situação é quase insuportável e mesmo os que pagam a previdência não têm mais certeza de que ela terá capacidade de proteger o trabalhador de eventuais infortúnios, como se imaginava nos anos 40.

 Os gastos com a saúde sobem com a revolução tecnológica, com a ampliação dos serviços, com o surgimento de uma doença cara e de perfil epidemiológico assustador como a AIDS.  Além disso, as bactérias são mais rápidas, desenvolvendo resistência a um ritmo maior do que os laboratórios são capazes de produzir novas gerações de antibióticos. 

A crescente disparidade entre as demandas sociais em expansão e a capacidade do Estado de atendê-las, identifica o Estado-nação como um poder reduzido, incompetente, fraco, cada vez mais limitado para decidir plenamente sua política monetária, ameaçada pelos especuladores e aproveitadores de plantão.  O Estado tem dificuldade para definir seu orçamento, organizar a produção e o comércio, cobrar impostos das empresas de modo eficaz, evitar a sonegação, combater os subsídios e o protecionismo.  Ou seja: perdeu o controle e a maior parte do seu poder no âmbito econômico, mas continua com as pesadas responsabilidades sociais, lutando para fazer sobreviver sua capacidade reguladora e fiscalizadora.

Há mais um complicador: o evidente aumento da violência e o progresso do crime e dos criminosos, dos seus armamentos, da capacidade de organização e da ousadia dos enfrentamentos, do aumento do poder de fogo e capacidade de atuar globalmente.

A falta de esperança no futuro, em qualquer futuro, leva o criminoso à política de explorar o aqui e agora, mesmo sabendo que sua carreira será breve. A impunidade para a maioria absoluta dos crimes e as facilidades que alguns encontram, mesmo depois de presos e condenados, para continuar a explorar o crime de dentro dos presídios e penitenciárias, anima-os a continuar.

O estabelecimento de parcerias e alianças estratégicas, faz com que o crime adote as estratégias de sobrevivência das grandes corporações, aproveitando-se inclusive da fraqueza do Estado. Colocando publicamente em xeque a eficiência e a eficácia das forças de segurança, a bandidagem quebra o monopólio estatal da violência.

Hoje, por exemplo, no Brasil, já há mais pessoas envolvidas com a segurança privada do que com a segurança pública.

Pior é que há várias polícias e quanto mais elas são, menor o sentimento de segurança que transmitem à população.  E a pior delas, sem dúvida, é a Polícia Militar, por motivos históricos.  Nos anos de chumbo da ditadura, os militares que comandavam a área de segurança (inclusive a PM), atribuíram aos policiais militares as piores missões da chamada “guerra suja”, as mais violentas e desrespeitosas aos direitos democráticos do cidadão. Vitoriosos (do ponto de vista militar) na repressão e desmantelamento da resistência, chegaram à redemocratização sem estarem reciclados, sem preparo, mantendo as mesmas chefias corruptas e os mesmos métodos brutais.

Esta é mais uma curiosidade típica da globalização: na aldeia global assistimos o fortalecimento das tribos, das identidades primárias, inclusive sob a bandeira de clubes de futebol, das torcidas organizadas (principalmente para a violência).  Como vemos crescer o bairrismo, o regionalismo, o nacionalismo, uma forma subjetiva de negar o globalizado.

Se o Estado não se adaptar, não mudar rapidamente e não conseguir mudar o modo de pensar dos políticos, a crise só tende a aumentar, sem que se saiba até quando, quanto e a que preço no futuro.  Mas não é difícil imaginar as conseqüências. A única certeza é a de que o passado não será recuperado.  A sociedade consumidora e baseada no desperdício criou pessoas que regrediram e vivem infantilmente, só para a satisfação dos seus desejos, sob o princípio do prazer e não o da realidade, como fazem as pessoas amadurecidas.  São pessoas que não foram educadas para ouvir um não, desajustadas, egoístas, só vivendo para a satisfação dos seus desejos e prazer, confundindo as necessidades básicas com as carências subjetivas, sem solidariedade.

O Estado contemporâneo está em crise interna e externa; ultrapassado, impotente, precisa urgentemente ser reformado para poder garantir o crescimento auto-sustentado e atuar com eficiência e eficácia na área social, principalmente para evitar a exclusão e a violência.  Diante da mobilidade do capital voraz e rápido no gatilho, o Estado não se sente capaz de barganhar, não encontra uma posição de força para decidir taxas e impostos, benefícios, leis ambientais e regimes de trabalho. 

As transnacionais têm poucos limites e manipulam os preços dos bens que são transacionados dentro de sua própria rede, cobrando alto às filiais situadas onde o imposto sobre o lucro é alto, ou em países em que há bom controle de remessa de lucros; e fazendo o oposto nos países onde as restrições já foram vencidas.

Alguns governos, como parte do esforço de atrair os fragmentos da produção, criam ilhas fiscais, (as ZPE), ou desvalorizam suas moedas para se tornarem mais competitivos.  O problema é que essa estratégia atrai apenas as partes da cadeia que geram menos valor adicionado.

A formação dos blocos regionais também influi na decisão estratégica das transnacionais, dependendo da importância que têm os mercados ou fatores de produção que elas buscam.

Parece claro que no mundo globalizado a cada intervenção do mercado deve corresponder uma atuação do Estado.  A questão é determinar o papel e a efetividade do Estado, dando a ele, inclusive, mobilidade suficiente para enfrentar as crises.  O desenvolvimento requer um Estado atuante, catalisador, rápido, capaz de facilitar e encorajar os negócios privados, mas também de regulá-los e de manter controle sobre eles.

O Estado precisa ter um governo voltado, prioritariamente, para os fundamentos sociais, com intensa participação do cidadão, parcerias e alianças estratégicas. O Estado que se quer é indutor, normativo e regulador e funciona com base em um pacto social que determine as políticas públicas da área social.  Só um novo e original acordo entre o governo e a sociedade civil, baseado em padrões éticos, no interesse público e no respeito humano, pode criar esse Estado moderno e indispensável.

Como afirma o Banco Mundial, “um bom governo não é um luxo, mas uma necessidade vital “.

Em uma crônica intitulada Estado Chantageado, Luís Fernando Veríssimo escreveu: “A utopia socialista e a utopia capitalista têm o mesmo lugar para o Estado: nenhum.”

Pela escatologia marxista o Estado não fazia sentido em uma sociedade de iguais.  E quanto aos liberais, queriam um Estado cúmplice que só interviesse no mercado para dar subsídio a quem não precisa, como os bancos.

Enquanto o novo Estado não vem, há muitas razões para inquietação quanto ao futuro do mercado de trabalho e ao crescimento da exclusão, especialmente na periferia do capitalismo.

O paradigma do emprego mudou e o modo como mudou é motivo para mais preocupações.  Os desajustes causados pela exclusão social de parte crescente da população mundial dos benefícios da economia global, e a progressiva concentração de renda que faz os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais distantes, são o grande problema das sociedades atuais, pobres ou ricas.

A exclusão vem aumentando e ameaça marginalizar grupos até recentemente integrados ao padrão de desenvolvimento.  Como a revolução tecnológica continua, na informação, na comunicação, na produção, crescem as aspirações de consumo de grande parte da população, inclusive dos excluídos que, por exemplo, agora têm telefone celular.

O processo de globalização continua constrangendo progressivamente o poder dos Estados, restringindo sua capacidade de operar seus principais instrumentos discricionários.  As fronteiras nacionais foram escancaradas pela força do mercado.

É evidente que o movimento de precarização do emprego, tanto em termos de salário quanto de formas de contratação, é mais intenso nos países em que o mercado de trabalho mostra-se mais flexível.

O capitalismo atual é alimentado pela força de suas contradições e é claro que o novo modelo global de produção continuará provocando a exclusão social, o aumento do desemprego formal e da flexibilização.  Isto acarretará um aumento na pressão sobre o Estado, exigindo a retomada de políticas públicas eficientes e eficazes na área social.

A atual carência de recursos dos governos (comprometidos a zerar seus déficits) exige um novo e original acordo social que pressuponha a recuperação de indução do Estado, padrões éticos que fortaleçam sua legitimidade e eficiência, e a criação de estruturas eficazes que tenham condição de fiscalizar o cumprimento dos acordos e dos compromissos assumidos nos processos de regulação, incentivando e transferindo para a sociedade civil a operação dos sistemas de amparo social.

O único caminho garantido para diminuir o desemprego ainda é o crescimento econômico, mas mesmo o crescimento não é suficiente para garantir índices crescentes de emprego.  Os vinte anos finais do século 20 foram bastante ruins para o crescimento das economias da maioria dos países latino-americanos. Brasil, México e Argentina mergulharam em graves crises e sua inevitável inserção no mercado global teve sérias conseqüências, inclusive a exclusão de uma grande parte da população.

O Brasil deixou de ser majoritariamente rural para ser dramaticamente urbano,  deixou de ser agrícola para ser mal industrializado, deixou de ser cautelosamente poupador para ser desesperadoramente consumista, deixou de ter uma pobreza digna para ter a exclusão sem esperança, deixou de ter emprego para ter ocupação (se possível), deixou de ser solidário para ser violento e egoísta. (O desemprego dobrou a partir dos anos 80 e chegou ao final do século com 20%, o que levou para o setor informal 58% da força de trabalho nas cidades, fazendo aumentar a precarização, afetando duramente a qualidade do trabalho, a estabilidade de renda e a proteção social.)   No processo,  frustrou-se a possibilidade de uma sociedade mais justa.

O trabalho flexível, insistiam os liberais, seria uma válvula para manter o nível de desemprego sob controle, mas não foi assim; e quanto mais aumenta o setor informal, mais aumenta o desemprego.

Na verdade, quanto maior a vitalidade do mercado global, maior a exclusão social. Seu contínuo avanço não vai garantir que a sociedade futura possa, unicamente por mecanismos de mercado, gerar postos de trabalho (mesmo flexíveis) suficientes em qualidade e renda para as necessidades mínimas da população.

A lógica da globalização e do fracionamento da cadeia produtiva incorporou os bolsões de trabalho barato do mundo, sem necessidade de aumentar-lhes a renda. Os postos formais continuam crescendo menos do que os investimentos diretos. O setor informal acumula o trabalho precário e a miséria.  Os países da periferia estão ameaçados por fluxos e refluxos de recursos especulativos, mas mesmo os países centrais estão enfrentando surtos de liquidez e períodos recessivos. Os pobres de lá também estão mais pobres.

Os Estados nacionais estão em crise, subordinados a metas monetárias rígidas e obrigados a pagar uma dívida impagável.  Especialmente os governos mais pobres é que têm menos recursos e menos estruturas para garantir a sobrevivência dos novos excluídos.

As propostas de superação são tímidas, pouco articuladas, nada audaciosas.  O que se pode pregar é a mudança de atitude social.  E há até quem pregue uma revisão do conceito de felicidade. 

Estamos diante de um grave impasse que coloca a cultura econômica da violência em oposição à cultura da paz.  O futuro depende da nossa capacidade de mobilização e de pressão sobre o Estado, e de como, com responsabilidade, seremos capazes de buscar um caminho para enfrentar imediatamente o estigma da exclusão, que atinge cada vez mais pessoas e que impede a distribuição mais equânime dos resultados da acumulação.

Ao gerarem uma massa de pessoas supérfluas ao sistema, as recentes transformações socioeconômicas redirecionaram o foco dos debates sobre os problemas sociais que provocaram.  Antes, a grande preocupação era com as condições de exploração na qual a inserção se dava.  Agora, nossa preocupação é com a dificuldade de encontrar formas de inserção, quaisquer que elas sejam.

            É urgente participar do debate, agir, agitar, protestar, criar resistência, montar os nossos quilombos, desenvolver a cultura da paz, até por uma questão de sobrevivência.  Porque, assim como não havia preocupação com a sobrevivência dos escravos a não ser enquanto eles tivessem uma utilidade, hoje os donos do poder não estão preocupados com a sobrevivência dos que não têm utilidade e que, por isso mesmo, não parecem merecer a vida.

            Não é fácil encontrar economistas otimistas com a situação e com o futuro, mas Anthony Giddens (o auto do livro Para Além da Esquerda e da Direita) é um realista que propõe o “desenvolvimento alternativo”.  Ele reconhece o agravamento da exclusão e a violência que estão vinculadas ao capitalismo global e sugere uma solução que é mais voltada para uma ampla revisão das políticas públicas e enfocando mais o problema da pobreza e da exclusão do que o problema do desemprego.

            Suas bases para uma saída alternativa estão em um programa político capaz de:

  • § engajamento reflexivo de movimentos sociais e grupos de auto-ajuda;
  • § limitação de danos à cultura local;
  • § rediscutir os estilos de vida e a ética;
  • § restabelecer os valores morais;
  • § promover a autoconfiança e a integridade como meios de desenvolvimento, reconquistando a solidariedade;
  • § melhorar a posição da mulher em relação ao homem (já que elas realizam dois terços do trabalho no mundo, ganhando apenas 10% da renda global);
  • § fortalecer a medicina preventiva e dar autonomia à saúde pública;
  • § combater a exploração infantil (sexual e no trabalho);
  • § fortalecer a família;
  • § combater o patriarcado;
  • § enfatizar as responsabilidades do cidadão e não só os direitos;
  • § dar proteção à terceira idade e utilizar sua capacidade de gerar riqueza e de dar contribuição social;
  • § dar prioridade e proteção total à criança e ao adolescente;
  • § reformular as políticas de seguridade;
  • § combater radicalmente a pobreza;
  • § contestar o poder arbitrário e reduzir o papel da violência na vida social;
  • § restaurar o meio-ambiente;
  • § reconhecer a santidade da vida humana, o direito à realização, à paz e à felicidade.

Nos tempos que estamos vivendo, precisamos de duas palavras mágicas: metanóia e hipnogogia. 

Metanóia significa mudança de mentalidade, mudar o modo de entender e de ser, para poder mudar o modo de fazer.  A metanóia é uma atitude mental e não um processo ou meio de fazer.  O único caminho aparente para a sociedade fugir da situação que a revolução da informática e a globalização criaram com os neoliberais e o capital ganancioso, é deixar de competir pelo que existe, abrir mão das promessas do consumismo, trocar o esforço de sobreviver pelo trabalho para ter e ter um novo, e adotar a criatividade e a solidariedade para ser  e ser feliz..

A hipnogogia é a arte de aprender com o sonho e o que mais precisamos para vencer a crise é aprender a sonhar, levantar a auto-estima, acreditar no futuro e na possibilidade de realizar esse sonho e estabelecer metas que possam ser atingidas para conquistar o objetivo claro, bem traçado.

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